"Um romance é uma segunda vida. Como os sonhos de que
fala o poeta francês Gérard de Nerval, os romances revelam cores
e complexidades de nossa vida e são cheios de pessoas, rostos e
objetos que julgamos reconhecer. Assim como no sonho, quando
lemos um romance, às vezes ficamos tão impressionados com a
natureza extraordinária das coisas que nele encontramos que es‑
quecemos onde estamos e nos vemos no meio dos acontecimentos
e das pessoas imaginárias que contemplamos. Em tais ocasiões,
achamos o mundo fictício que descobrimos e apreciamos mais
real que o mundo real. O fato de essa segunda vida nos parecer
mais real que a realidade muitas vezes indica que substituímos a
realidade pelo romance, ou no mínimo o confundimos com a vi‑
da real. Mas nunca lamentamos essa ilusão, essa ingenuidade. Ao
contrário, assim como em alguns sonhos, queremos que o ro‑
mance que estamos lendo prossiga e esperamos que essa segunda
vida continue evocando em nós uma sensação consistente de rea‑
lidade e autenticidade. Apesar do que sabemos sobre a ficção, fi‑
camos irritados e aborrecidos se um romance deixa de sustentar
a ilusão de que é, na verdade, a vida real."...
Orhan Pamuk, O Romancista ingenuo e o sentimental, Companhia das Letras
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