sexta-feira, novembro 04, 2011

"Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refugios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
é atrair-te a uma angustiante questão...
Oh, não perguntes :"Qual?"
Sigamos a cumprir nossa visita

No saguão as mulheres vem e vão
A falar de Michelangelo

A fulva neblina que roça na vidraça suas espaduas,
A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega
E cuja lingua resvala nas esquinas do crepusculo,
Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés,
Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou,
E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,
Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

E na verdade tempo havera
Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas espaduas na vidraça;
Tempo havera, tempo havera
Para moldar um rosto com que enfrentar
Os rostos que encontrares;
Tempo para matar e criar,
E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e para mim,
E tempo ainda para uma centena de indecisões,
E uma centena de visões e revisões,
Antes do cha com torradas.

No saguão as mulheres vem e vão
A falar de Michelangelo.

E na verdade tempo havera
Para dar rédeas à imaginação. "Ousarei" e..."Ousarei?"
Tempo para voltar e descer os degraus
Com uma calva entreaberta em meus cabelos
(Dirão eles: "Como andam ralos seus cabelos!")
-Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o queixo
Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete apruma
(Dirão eles "Mas como estão finos seus braços e pernas!")
-Ousarei
Perturbar o universo?
Em um minuto apenas ha tempo
Para decisões e revisões que um minuto revoga.
..."
(Começo d'A canção de amor de J. Alfred Prufrock, T.S.Eliot, trad. Ivan junqueira)

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