segunda-feira, abril 15, 2013

nos cumes do desespero, cioran

Ser lírico

Porque não podemos permanecer encerrados em nós mesmos? Porque insistimos em correr atrás da expressão e da forma, no intuito de nos esvaziar de conteúdo e sistematizar um processo caótico e rebelde? Não seria mais fecundo entregarmo-nos a nossa fluidez interior, sem desejo de objetivar, apenas sorvendo, voluptuosos, todas as nossas ebulições e agitações întimas? Viveríamos, assim, numa intensidade infinitamente fértil, todo aquele crescimento interior que as experiências espirituais dilatam até a plenitude. Vivências múltiplas e diferenciadas se fundiriam para engendrar as mais fecundas efervescências. Uma sensação de atualidade, de presença complexa dos conteúdos anímicos surge como resultado desse crescimento, comparável a uma elevação das ondas ou a um paroxismo musical. Ser cheio de si, não no sentido de orgulho, mas no de riqueza, ser atormentado por uma infinidade interna, que acabamos sentindo que morremos por causa da vida. E´tão raro e estranho esse sentimento, que deveríamos vivenciá-lo aos berros. Sinto como se devesse morrer por causa da vida e me pergunto se teria sentido buscar uma explicação. Quando todo o passado da alma palpita dentro de nós num momento de imensa tensão, quando uma presença total atualiza as experiências aprisionadas e quando um ritmo perde seu equilíbrio e uniformidade, a morte nos arranca dos cumes da vida sem que conheçamos diante dela aquele horror que acompanha a atordoadora obsessão da morte. É um sentimento análogo `aquele dos amantes nos cumes da felicidade, diante dos quais surge, passageira mas intensa, a imagem da morte, ou aos acessos de incerteza, quando, junto com o nascimento do amor, emerge o pressentimento do final ou do abandono.
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